terça-feira, 13 de maio de 2014

ESTRADA SEM FIM




 

ESTRADA SEM FIM

Um homem, seu cavalo e seu cão caminhavam por uma estrada.
 O Sol castigava os seus corpos cansados que, há dias, caminhavam sem cessar.
 Parecia que a estrada não tinha fim, e a noite jamais chegaria, para que o merecido descanso fosse possível.

 Depois de muito caminhar (talvez anos, quem sabe), esse homem se deu conta de que ele, seu cavalo e seu cachorro haviam morrido num terrível acidente (às vezes, os desencarnados levam algum tempo para se dar conta de sua nova condição).

Mas permaneciam unidos, mesmo assim, pois por toda a vida foram amigos. O homem, quando ainda jovem, ganhou o cavalo de seu pai, poucos dias antes deste partir para a pátria espiritual. Foi, desde então, um grande amigo. O cão, por afinidade, aonde eles iam, acabava como que querendo proteger, sempre estando junto. E agora, mesmo desencarnados, continuavam sua jornada errática.

A caminhada era muito longa, morro acima, o sol era forte e não dava lugar para que a noite chegasse, com os seus ares refrescantes e convidativos ao descanso justo. Então, suados e com muita sede, eles continuavam a caminhada.

Precisavam desesperadamente de água.

Numa curva do caminho, avistaram um portão magnífico, todo de mármore, que conduzia a uma praça calçada com blocos de ouro, no centro da qual havia uma fonte de onde jorrava água cristalina.

O caminhante dirigiu-se a um homem, que numa guarita, guardava a entrada.

- Bom dia, ele disse.
- Bom dia, respondeu o homem.
- Que lugar é este, tão lindo? Ele perguntou.
- Isto aqui é o céu, foi a resposta...
- Que bom que nós chegamos ao céu, estamos com muita sede, disse o homem.
- O senhor pode entrar e beber à vontade, disse o guarda, indicando-lhe a fonte.
- Meu cavalo e meu cachorro também estão com sede.
- Lamento muito, disse o guarda. Aqui não se permite a entrada de animais. Mas estou certo de que o senhor adentrará por nossos portões e saciará a sua sede, pois, afinal, seus acompanhantes são apenas dois animais. Deixe-os de lado e venha saciar a sua sede nas fontes do meu mestre.

O homem ficou muito desapontado, porque sua sede era grande. Mas ele não beberia, deixando seus amigos com sede. Tentou argumentar com o guardião, mas este foi irredutível. O guardião ofereceu muitas coisas ao homem, como uma bela casa, uma cama acolhedora, uma bela mulher que iria cuidar dele... Desde que ele abandonasse tudo que ele carregava consigo, inclusive, e principalmente, seus amigos.

O Homem parou para pensar e concluiu que não poderia deixar de lado aqueles que até na morte o seguiam, ajudando e amparando. Assim, prosseguiu seu caminho, caminhando a passos claudicantes, juntamente com seus amigos, pela estrada sem fim.

Depois de muito caminharem morro acima, com sede e cansaço multiplicados, eles chegaram a um sítio, cuja entrada era marcada por uma porteira velha semi-aberta.
A porteira se abria para um caminho de terra, com árvores dos dois lados que lhe faziam sombra. À sombra de uma das árvores, um homem estava deitado, cabeça coberta com um chapéu, parecia que estava dormindo:

- Bom dia, disse o caminhante.
- Bom dia, disse o homem.
- Estamos com muita sede, meu cavalo, meu cachorro e eu.
- Há uma fonte naquelas pedras, disse o homem indicando o lugar. Podem beber a vontade.
- O homem, o cavalo e o cachorro foram até a fonte e mataram a sede.
- Muito obrigado, ele disse ao sair.
- Voltem quando quiserem, respondeu o homem. E, se quiserem ficar por aqui, não se façam de logrados. O Pai Celestial tem várias moradas, e uma delas é esta. Nada podemos oferecer, além de muito trabalho, para você e para seus amigos. Mas todo trabalho sempre é justamente pago, como há de ser.

O caminhante ficou muito feliz, pois o convite tocou-lhe o coração. E sentia que os animais, seus amigos, também gostariam de por ali ficar por algum tempo.

- A propósito, disse o caminhante, qual é o nome deste lugar?
- Céu, respondeu o homem.
- Céu? Mas o homem na guarita ao lado do portão de mármore disse que lá era o Céu!
- Aquilo não é o céu, e nem poderia ser.

O caminhante ficou perplexo. Não poderia conceber que um lugar tão belo como aquele fosse... fosse... Não... ou será que sim? Agora estava claro na mente do caminhante...

- Mas então, disse ele, essa informação falsa deve causar grandes confusões.
- De forma alguma, respondeu o homem. Na verdade, eles nos fazem um grande favor. Porque lá ficam aqueles que são capazes de abandonar até seus melhores amigos...

* * *
Engraçado como é simples deixar Deus de lado e depois perceber porque o mundo está indo tão mal.
Engraçado como é fácil agradar aos outros, mas não agradamos a nós mesmos.
Engraçado como todos querem ir para o céu. Ou será que é assustador?
Engraçado como alguém pode dizer: "Eu creio em Deus, pois eu sou Deus!".
Engraçado como muitos não acreditam em Deus.
Engraçado como outros tantos acreditam em Deus, mas ainda seguem sua vida mediocremente... Sem buscar a felicidade.
Engraçado, não?
Engraçado como posso me preocupar mais com o que pensam de mim, do que com o que eu penso de mim.
Você está pensando?
Eu estou. Não sobre você, mas pensando sobre mim.

 - Fernando Golfar

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